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Padrões de comportamento e mecanismos de defesa

Padrões de comportamento e mecanismos de defesa

No meu livro defini-me como uma fazedora, e muitas pessoas gostam e identificam-se com esse termo, e sei que sou assim. Sou prática. Gosto de terminar o que começo. As coisas não ficam na cabeça muito tempo. Rapidamente passo para a realidade e coloco na matéria o que idealizei. Sou assim desde sempre. Gosto de ser assim. 

Mas quando uma característica nossa deixa de ser apenas uma parte encantadora da nossa personalidade e passa a ser tirana e a causar mais sofrimento do que benefícios, então esse é o momento de parar, observar e mudar.

A verdade é que o meu lado prático aos poucos deixou de ser apenas uma vantagem competitiva, para se tornar numa compulsão, numa adição, num mecanismo de coping. 

Todos nós somos adictos a qualquer coisa. TODOS. Todos nós temos hábitos e comportamentos que usamos como forma de lidar com emoções difíceis. Ou melhor, como forma de não ter de lidar com essas emoções difíceis. 

Alguns de nós temos as adições mais conhecidas ou, pelo menos, mais faladas: drogas, álcool, comida, compras, sexo/porn/masturbação. Mas o que não se fala muito é das outras adições, ou padrões comportamentais, que cumprem exatamente a mesma função dessas adições que mencionei antes, mas que são socialmente aceites, bem vistas e até incentivadas.

Adição a coisas como: trabalho, fazer (estar sempre ocupado a desempenhar tarefas atrás de tarefas), entretenimento (televisão, séries, redes sociais), fofoca, superioridade ou dizer mal de outras pessoas, conflitos relacionais, drama, etc.

Tudo isto são vícios. Padrões de comportamento que em alguma medida e em alguma altura da nossa vida serviram para nos salvar de algum tipo de sofrimento e, por isso, se tornaram formas automáticas de lidar com emoções difíceis. 

Exemplos:
Estou a sentir-me mal comigo por isso vou trabalhar um bocadinho mais e dessa forma acalmar esta dor que tenho dentro.
– Estou ansiosa com alguma coisa, por isso vou arrumar mais qualquer coisa cá em casa para me sentir um bocadinho menos má pessoa.

– Estou a ter emoções com as quais não estou a conseguir lidar, por isso vou fazer scroll e distrair-me um bocado.
– Estou com muita tensão interior, por isso vou criar aqui um stress com a pessoa que partilha a vida comigo porque assim não tenho de lidar com o stress que já trazia dentro.
– Estou a sentir que não sou boa o suficiente, por isso vou dizer mal da minha colega de trabalho porque quanto mais a coloco para baixo, melhor me sinto comigo mesma.

Todos nós temos um ou vários destes padrões comportamentais. Eu própria tenho vários destes que mencionei. Mas aquele sobre o qual tenho trabalhado nos últimos anos é o vício do “fazer”.

Por muito que nos digam o contrário, pode não ser o mais saudável estar sempre ocupada. No meu caso, servia nitidamente para fugir de emoções dolorosas. Sentia-me uma merda, fazia qualquer coisa. Sentia-me insegura, mandava mais um email. Sentia-me com medo, lançava mais um curso. 

E o pior de tudo é que, como qualquer adição, o nosso padrão comportamental vai agravando até nos destruir. Assim como acontece com o consumo de drogas, a quantidade que consomes vai aumentando até finalmente te matar. Era o que estava a acontecer comigo. Enquanto não me sentisse esgotada, a minha inquietação interior não parava. Só quando chegava ao limite é que essa parte de mim dizia: “Ok, hoje não és tão merdosa assim. Podes parar”. Mas a má notícia é que o nível de esgotamento a que tinha de chegar para essa parte maléfica me dar uma abébia estava perigosamente a aumentar. Cada dia tinha de ser mais do que o outro. Mais, mais, mais, até me destruir. @s fazedor@s que estão a ler isto, sabem do que estou a falar. Muitas vezes o que mais desejamos é parar. Mas não sabemos como.

Por isto tudo, deixo-te duas questões:
– Quais são os padrões de comportamento que estás a usar como mecanismo de defesa para não lidares com certas emoções difíceis?
– Será que poderias encontras outras formas mais sustentáveis, menos destrutivas e mais ecológicas para lidar com essas emoções difíceis?

Nos últimos 4 anos, tenho-me dedicado a trabalhar sobre a minha adição/padrão comportamental/mecanismo de defesa do “fazer” compulsivo. 4 anos, focada em diminuir aos poucos o espaço que o “fazer” ocupa na minha vida. 4 anos, com pequenas decisões, umas atrás das outras. 4 anos com avanços importantes e recuos desmoralizantes. 4 anos a lidar com as emoções difíceis que antes disfarçava com o “fazer”. 4 anos em que às vezes consigo, às vezes vacilo. 4 anos em que me conheci muito melhor e vivi muito mais. 

E o que tenho aprendido sobre mim tem sido extremamente valioso. Hoje pelo menos sei que sou mais do que uma fazedora. Hoje estou a habituar-me à ideia de que o meu valor não tem só a ver com o que eu produzo. Hoje sei que também sou preguiçosa 😅  e começo, finalmente, a ficar bem com isso. 4 anos, mas um dia de cada vez.

Tem um dia bonito!
Jo 💙

4 Comments
  • Liane Lanzoni
    Posted at 23:28h, 15 Novembro

    Ótimas reflexões, como sempre! Eu também sou uma fazedora que só para de fazer na total exaustão. Tenho trabalhado muito para entender e questionar essa crença no fazer como demonstração de valor próprio. Não posso ter valor somente quando estou em movimento.. Muito obrigada por compartilhar suas reflexões! Abraço

  • João
    Posted at 14:51h, 15 Novembro

    Por isso, nos últimos 4 anos, tenho-me dedicado a trabalhar sobre a adição do “fazer”. 4 anos, focada em diminuir aos poucos o espaço que o “fazer” ocupa na minha vida. 4 anos, com pequenas decisões, umas atrás das outras. 4 anos com avanços importantes e recuos desmoralizantes. 4 anos a lidar com as emoções difíceis que antes disfarçava com o “fazer”. 4 anos em que às vezes consigo, às vezes vacilo. 4 anos em que me conheci muito melhor e vivi muito mais.

    Sou um eterno fazedor, que não suporta ficar sem fazer nada, e mesmo não fazendo, minha cabeça, meus pensamentos ficam a girar, e no momento de stress sinto que preciso parar, relaxar e meditar. e nesta meditação rezo, e na confiança converso com Deus, peço perdão , agradeço, e peço acura interior e ai me recupero para uma nova jornada. Neste momento procuro ficar sozinho comigo mesmo , eis que muitas vezes preciso adormecer e o mundo em minha volta fica mais visível de entender, porém o desáfio maior é entender a mim mesmo. Obrigado por sua partilha. Um forte abraço Joana !

  • Maria Manuela Pedrosa De Sousa
    Posted at 18:09h, 12 Novembro

    Maravilhosamente explicada, não…não sou fazedora mas outra situação tenho (…).
    Adorei,adoro e amo a nova Joana Areias que um dia tive o prazer de conhecer e comigo continua mesmo na distância de um “clic”
    Beijinho com xi❤

  • Cláudio Figueiral
    Posted at 11:11h, 11 Novembro

    Gostei do artigo. também me considero um fazedor e no último ano ando a trabalhar nisso para querer fazer menos, no entanto ainda me mete muita confusão sequer escrever isto “Fazer menos” lol e “ser preguiçoso” também… mas a verdade é que já me mete menos e já consigo aceitar isso, focar no mais importante!
    Obrigado!!