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Dia da Mãe e o Resgate da Vitalidade e do Prazer

Dia da Mãe e o Resgate da Vitalidade e do Prazer

Era uma vez um jardim muito verde, com flores de todos os tamanhos.
Era nesse jardim que vivia Deméter, com a sua filha, Perséfone.

Um dia Perséfone, com sol alto no céu, viu uma flor misteriosa. Baixa-se para apanhar essa flor e, nesse momento, a terra debaixo dos seus pés abre-se e ela cai no submundo. No mundo de Hades.
Perséfone conhece Hades, Deus do submundo, e ele é imediatamente cativado por ela. Hades decide oferecer-lhe a posição de sua rainha, rainha do submundo. Perséfone acaba por ver o potencial que existe naquele pedido, naquele convite de Hades, para se tornar rainha do submundo.

Enquanto Perséfone está a viver essa transformação; na superfície, a sua mãe Deméter, fica muito preocupada.
Desesperada, começa a procurar por Perséfone imediatamente.
Deméter procura nos jardins, nos bosques, nos pomares, nas florestas.
Procura nas ilhas, nas praias, perto dos oceanos.
Começa a procurar em aldeias, dentro das cavernas.
Procura em todo o lado, mas não a encontra.

Deméter fica tomada por um enorme desespero e depressão.
Fica perdida na sua dor.
Deixa de tomar banho, deixa de se cuidar.
Não troca de roupa, não lava a sua pele, os seus cabelos, as suas mãos.
Deméter começa a gritar, gritar e gritar.
E começa também a amaldiçoar a Terra.
Ela andava pelas aldeias com os cabelos desgrenhados, com as roupas completamente tomadas por barro e sujidade.
No seu sofrimento, Deméter deixou de cuidar de si.

Até que um dia, Deméter já irreconhecível como a grande deusa da fertilidade e da agricultura, entra numa aldeia como anónima, como desconhecida. Chega ao pé de um poço e encosta-se ali.
No seu desespero, falta de energia, de vida, de vitalidade, deixa o seu corpo cair no chão ao lado do poço.
O tempo passa e ao anoitecer, vinda da extremidade mais distante da aldeia, Deméter começa a ver chegar na sua direção uma mulher. Ou melhor, uma criatura.
Um tipo de mulher/criatura que vem balançando as ancas num movimento sensual.
Deméter olha para aquilo intrigada.
“Será que estou a ver bem?”
Observa ao de longe aquele caminhar sensual e cheio de vida e não consegue evitar deixar escapar um sorrisozinho pelos lábios enquanto franze o sobrolho.
Quando essa mulher/criatura se aproxima, Deméter consegue observar algo muito peculiar. Essa mulher/criatura tem os olhos nos seios e a boca na vulva.
Finalmente Deméter reconhece. Aquela era a deusa Baubo, Deusa do ventre, do riso e das obscenidades, há muito esquecida.
Baubo chega perto de Deméter e começa a sussurrar piadinhas ao seu ouvido. Deméter, sem forças para conseguir fazer nada, fica ali a ouvir os comentários engraçados que Baubo lhe vai contanto ao ouvido.
Deméter começa a sorrir e, com esse sorriso, respira um pouco.
Respira mais um pouco de ar e dá uma pequena gargalhada que quase não se ouve.
Depois ela ri um pouco mais e um pouco mais e um pouco mais.
E quanto mais ri, mais ar deixa entrar dentro de si.
Quanto mais ouve as piadas de Baubo mais respira fundo.
Até que finalmente, não consegue evitar, enche o peito de ar e dá uma gargalhada poderosa que se ouve em toda a aldeia.
Uma daquelas gargalhadas incontroláveis que fazem o corpo todo vibrar, que contraem a barriga, que fazem as bochechas doer e lágrimas saírem pelos olhos.

Nesse instante Baubo junta-se a Deméter, atira-se para o chão ali ao lado do poço e começa a rir também. E assim ficam as duas a rir, a rir, a rir de forma incontrolável durante muito tempo.
A risada e a respiração restauram Deméter. Ela recupera o sopro da vida.
Ela consegue pensar novamente de forma organizada.
Ela consegue distinguir as suas emoções com clareza.
Ela reencontra a energia para continuar a procurar pela sua filha.

Deméter, então levanta-se com a ajuda de Baubo.
E com um novo estado de vitalidade, de olhar levantado, reconhecendo novamente a sua força, as suas capacidades e o seu poder como Deusa e Rainha, Deméter caminha em direção ao rio.
Ela banha o seu corpo, limpa a sua pele, lava a sua roupa, penteia os seus cabelos e arruma o que está dentro da sua alma também.
E, ocupando novamente o seu lugar, resgatando a consciência absoluta sobre quem é e do que é capaz, Deméter continua a sua busca por Perséfone.

 

Conheci esta versão do mito de Deméter e Perséfone através da maravilhosa Mitóloga e Contadora de histórias Maria Souza que me ajudou a escolher e interpretar os mitos do meu novo livro, que anseio muito lançar em breve.

Como mãe, já perdi a conta aos momentos em que me senti assim, drenada, seca, desnutrida, desvitalizada. São muitos os momentos em que não me reconheço. Em que olho ao espelho e não me revejo na palidez, na desidratação, no desmoronar. Há dias em que não acredito mais no meu poder, há dias em que não sei quem sou, há dias em que não acredito em mim.

E, por isso, Baubo passou a ser tão importante na minha vida.

Baubo representa a energia vital. Esta deusa tem algo de erotismo. Não necessariamente de sexualidade, mas de erotismo como energia de vida.

Baubo quebra as regras e, por isso, permite que surjam novos insights.

É anarquista, irreverente, amoral, selvagem e rebenta com os limites e categorias. Não se leva muito a sério, não tem medo de parecer ridícula, tem sentido de humor e, por isso, ajuda-nos quando estamos a tornar-nos rígidas, aborrecidas, tensas ou deprimidas.

Baubo não tem grande interesse em ser responsável pelos outros. Prefere ser livre de deveres, prazos, relações e posses. Todas estas características tornam Baubo a ajuda perfeita para Deméter no seu momento de maior desespero e depressão e também para aquelas de nós a sentir o deserto seco do papel de mãe em Nigredo.

Neste dia da mãe, este é o meu desejo:

Que nos encontremos mais vezes com a nossa Baubo interior.

Ela existe algures dentro de nós. Pode estar na margem da nossa alma, tal como no mito, o que é o mesmo que dizer que pode estar na sombra. O que está na margem está esquecido, desvalorizado, exilado e, às vezes, reprimido.

O nosso papel será o de a resgatar. Trazer à luz aquilo que nos dá prazer, o erotismo como energia vital, o espaço para rir, brincar, ser irresponsável, pensar apenas nas nossas necessidades.

Que assim seja.

Feliz dia queridas mães,

Jo 💙

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