12 Mar Dor é matéria prima
A par do ódio, a culpa é mesmo das emoções mais condicionadoras que conheço.
Ambas são emoções importantes.
Não sou apologista da ditadura das emoções agradáveis e da ideia de que devemos ambicionar sentir apenas aquelas coisas que nos põem bem. Não sou apologista porque, por um lado, não acredito que essa meta seja possível (a meta de sentir exclusivamente coisas agradáveis) e, por outro lado, porque acredito que todas as emoções, mesmo as desagradáveis, são informação relevante sobre a forma como estamos a viver as nossas vidas e sobre a pertinência das escolhas que estamos a fazer.
Por isso, acredito que ódio e culpa podem ser também emoções catalisadoras de coisas importantes.
No entanto, a maneira como usamos essas emoções e as interpretações que lhes damos, podem determinar o potencial criativo ou destrutivo que têm nas nossas vidas.
Duas pessoas diferentes podem ser ambas assoladas pela culpa quando são testemunhas do sofrimentos dos outros. Ambas estão a confrontar-se com a inevitável injustiça do que significa existir como seres humanos. Umas pessoas no mundo estão bem, outras estão a sofrer tanto, e sem justificação nenhuma. Apenas porque sim. É realmente incompreensível para nós e isso cria naturais sentimentos de culpa.
Mas depois, estas duas pessoas que sentem exatamente a mesma coisa pelos mesmos motivos, podem interpretar esta emoção de formas completamente diferentes.
Uma destas pessoas interpreta que, perante esta injustiça, precisa de equilibrar os pratos da balança não vivendo, não desejando, não usufruindo. “Se eu também sofrer ou, pelo menos, se não desfrutar tanto, não ambicionar tanto, talvez seja mais justo para as pessoas que estão a sofrer neste momento”, pensa. Se a minha mãe sofre, eu também devo sofrer. Se os meus amigos sofrem, eu também devo sofrer. Se um povo sofre, eu também devo sofrer.
A outra pessoa interpreta que, perante esta injustiça, por aqueles que sofrem, por aqueles que não tiverem a oportunidade de usufruir porque já nos deixaram, ou por aqueles que se encontram atualmente a viver profundas injustiças, o melhor que tem a fazer é homenageá-los vivendo, amando, criando. Se a minha mãe sofre ou sofreu, se os meus amigos sofrem ou sofreram, se um povo sofre ou sofreu e eu tenho a oportunidade de viver, amar e criar, então o mínimo que posso fazer por eles é viver, amar e criar. Se tenho uma oportunidade que outras pessoas não tiveram, então vou aproveitá-la e usá-la em prol dos que sofrem. Como homenagem, como tributo.
Ambas as interpretações são válidas. Eu sei qual é que prefiro, obviamente, mas ambas são válidas. No entanto uma cria mais sofrimento. A outra cria mais vida, mais amor e mais oportunidades para o próprio e para o mundo.
Este é o motivo pelo qual não sou apologista da ditadura das emoções agradáveis. Tem de haver espaço para as emoções desagradáveis principalmente pelo seu potencial criativo. Mas tudo depende da nossa interpretação daquilo que estamos a sentir.
Dor pode gerar mais dor, sem dúvida. Somos testemunhas de exemplos disso todos os dias.
Mas dor também pode gerar mais vida, mais potencial, mais abundância.
Os exemplos disso também estão por todo lado.
Só temos de nos disponibilizar para os ver e, se assim quisermos …
Ser.
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